sábado, outubro 29, 2011

Quem não tem visão...


Se tem uma coisa que não perdi foi a capacidade de me surpreender com o nosso potencial para interpretar o silêncio alheio... Era olhar para um terceiro em silêncio, entender tudo, olhar para você e, sem falar nada, perceber que você também tinha visto o que vi. Nada era dito, mas tudo era compreendido.

Isso é muito pretensioso, eu sei, mas o mais curioso não era enxergarmos no escuro e ouvirmos no silêncio, mas sim que víamos as mesmas figuras distorcidas e ouvíamos as mesmas melodias desafinadas, fosse ou não a verdade, fosse ou não o certo. Mas, decididamente, era o nosso certo e não questionávamos isso.

Confesso que me peguei muitas vezes duvidando de que pudéssemos passar tanto tempo sem treinar nossas habilidades interpretativas e mesmo assim, um dia qualquer, perceber que elas continuavam lá. E qual não foi minha surpresa ao perceber, naquele reecontro, que elas pareciam até mais apuradas. Não vou dizer que elas estavam apuradas como um vinho bom porque isso representaria melhora e, certamente, aumentá-las é enxergar com mais clareza, mais dor.

Senti pena de você por perceber que, mesmo conversando sobre vida e morte, seu olhar e seu sorriso eram como se estivéssemos falando amenidades. Me envergonhei. Pois vi no seu olhar que eu também falava sobre profundidades sem energia para mergulhar, ficando só ali, na beira, por achar que não vale a pena, por achar que já sei o que tem lá no fundo, por achar que, mesmo não sendo o que acho que é, o que tem lá não vale a pena ser visto.

Mas também pensei que não deveria sentir pena de você ou vergonha de mim, pois ali não havia julgamentos ou dedos em riste, e sim a mais incompreensível compreensão mútua. É estranhamente confortável pensar que, mesmo falando sinceramente sobre assuntos próximos, falei quase nada de mim, mas você entendeu tudo e enxergou aquilo que eu queria estar dizendo, mas não disse com palavras, disse com silêncio.

E não preciso me justificar por estar escrevendo o óbvio. Obrigada.

2 comentários:

Pollyana disse...

Eu também duvidei várias vezes que tanta distância e tempo não atrapalhassem essa conexão direta e estranha que sempre tivemos. Lembrei de um tempo em que estávamos de férias e que o facebook ainda nem era uma ideia que iria dar muito dinheiro para alguém (e porque que não fui eu que inventei! Rs) e escrevíamos cartas meio cifradas, cheias de pensamentos plenamente coerentes para ambas, mas que para qualquer outra pessoa iria parecer um nonsense sem limites. Mas tem razão. O mesmo tempo e distância que poderiam ter acabado essa compreensão incompreensível fez o inverso.Ouvimos mesmo no silêncio, vemos muito além mesmo no escuro e compreendemos muito, muito além do óbvio.

Não vamos mais comer bolo no fim de tarde. Nem somos mais o primeiro nome nas nossas listas de convites (como sempre foi), mas não é preciso dizer, como nunca foi, que vai sempre ser o primeiro nome, e o bolo no fim de tarde vai ser sempre com você. Obrigada por tudo sempre!

Rhafa disse...

É engraçado como em meio a tantos afazeres as vezes nos pegamos pensando naquelas pessoas que apresar da distância fazem parte e diferença em nossas vidas.
É engraçado como passamos meses sem nos falar e quando nos vemos parece que foi ontem, sim, há muita conversa para por em dia, mas o sentimento... este não faz distinção de tempo, só sabe que sente e o que sente por aquela pessoa.
É engraçado especialmente para mim, que a esta altura da vida tem consciência de que muitas vezes fui incompreendida simplesmente por que passava dias ou meses sem ver ou falar, mas quando via tratava como se a última vez fosse ontem.
Louca.
Obrigada as amigas que me compreendem e por isso são minhas amigas...