quinta-feira, agosto 13, 2015

One Night


Recentemente fui desafiada a escrever algo diferente... "Sem limites". Tomei o desafio pela mão e me debrucei sobre esse texto. Não vou dizer que foi fácil, pois realmente não foi! Mas de certo foi interessante ultrapassar as barreiras do usual. Tentei formatar uma personagem anuviada de pensamentos, mas ao mesmo tempo despida de limites. Optei pelo feminino, mas acho que da próxima vou me aventurar na primeira pessoa no masculino. E nota válida aos leitores fortuitos: Não é um texto pessoal! Simples assim!


                     As chaves ficaram penduradas na porta sem completar a volta na fechadura. Desmazelo compatível com a sua urgência em arrancar minha blusa enquanto lambe meu ombro. Vejo e deixo estar assim, nessa meia volta em si mesmo, completando em torno dele o giro que não fez a chave.

As luzes ainda estão apagadas, nos permitindo uma cegueira premeditada. Minhas pernas ainda guardam as marcas dos esbarrões com a mesinha do canto, e relembrando o mapa do nosso quarto, defendo-me instintivamente, driblando a cadeira ao mesmo tempo em que fujo de suas mãos ávidas no meio das minhas coxas, só para vê-lo suplicar ajoelhado. 

O vaso com as flores de ontem ainda balança recuperando-se do desalinho das minhas roupas jogadas sobre ele, e a ameaça suicida das minhas margaridas na borda da cabeceira prende-me a respiração um segundo a mais, apenas até sentir a sua língua insolente explorando meus seios, desfazendo a minha minguada convicção em lhe resistir um pouco mais.

Com os dedos leves leio o mapa do corpo dele, desenhando as linhas de seu peito para senti-lo arrepiar, sussurrar que me quer mais do que tudo, de olhos revirados, suado e pulsante, até a sua pouca paciência o arrebatar. E se me deixo cair esmaecendo em suas mãos é pela certeza prazerosa de que me buscará onde quer que eu esteja, dentro de meu torpor ou da minha avidez, e abrirá meu corpo e minha alma nesse universo paralelo.

Os desenhos dos seus dedos nos meus quadris ficam impressos como se por desejo inconsciente de me marcar como sua.  Segura meus cabelos na nuca e sussurra absurdos para me ver desatar os nós da minha sanidade. E os desato um a um quando seguro forte seu sexo, provando não só de suas palavras, mas seu doce pulsar em minha boca.

Nossos lençóis sempre cúmplices das incoerências do desejo e do desassossego de seu olhar, até parecem que nos absolvem de todos os delitos. 

Que a Gentileza me perdoe por arranhar suas costas enquanto sorri anestesiado pelo desejo, que a Delicadeza não me condene por morder seus lábios até escutá-lo gemer, e que a Civilidade não me desaprove por lhe permitir me devorar por inteira, porque delas me despiria tão facilmente quanto o fiz dos sapatos que estavam em meus pés. 

 Como se fossem uma porta para seus pensamentos, dentro dos seus olhos vejo somente a mim mesma, e essa imagem me olha de volta sem que eu consiga realmente me reconhecer. A um centímetro da tua boca, só quero que você respire o mesmo ar que acabo de extrair do meu peito, para sentir em você o ritmo da vida de um instante e escutar o bater do seu coração como se fosse música para ser a sua dançarina, pois bailo de cabelos revoltos essa dança das suas fantasias, permitindo que penetre com força meu corpo.

Segura forte meu rosto para que não fuja sorrateira em meus próprios mistérios enquanto desliza suave pelos caminhos clandestinos do meu prazer, me alimentando com seu deslumbramento cheio de gemidos e silêncios.

Cumprindo as ameaças, o vaso com as margaridas finalmente cai no chão com estardalhaço no mesmo segundo no qual a chave termina por si só seu giro na fechadura com um estalido determinado, e nossos corpos imersos, rendidos e redimidos se desabotoam em um último movimento, exauridos de todo o absurdo do amor. 


Imagem: https://www.etsy.com/pt/listing/201601400/vkus-noi?ref=shop_home_active_1
Ao som de: https://www.youtube.com/watch?v=DmDJcyQIy0s  (Jorge Drexler - Deseo )