Se tem uma coisa que não perdi foi a capacidade de me surpreender com o nosso potencial para interpretar o silêncio alheio... Era olhar para um terceiro em silêncio, entender tudo, olhar para você e, sem falar nada, perceber que você também tinha visto o que vi. Nada era dito, mas tudo era compreendido.
Isso é muito pretensioso, eu sei, mas o mais curioso não era enxergarmos no escuro e ouvirmos no silêncio, mas sim que víamos as mesmas figuras distorcidas e ouvíamos as mesmas melodias desafinadas, fosse ou não a verdade, fosse ou não o certo. Mas, decididamente, era o nosso certo e não questionávamos isso.
Confesso que me peguei muitas vezes duvidando de que pudéssemos passar tanto tempo sem treinar nossas habilidades interpretativas e mesmo assim, um dia qualquer, perceber que elas continuavam lá. E qual não foi minha surpresa ao perceber, naquele reecontro, que elas pareciam até mais apuradas. Não vou dizer que elas estavam apuradas como um vinho bom porque isso representaria melhora e, certamente, aumentá-las é enxergar com mais clareza, mais dor.
Senti pena de você por perceber que, mesmo conversando sobre vida e morte, seu olhar e seu sorriso eram como se estivéssemos falando amenidades. Me envergonhei. Pois vi no seu olhar que eu também falava sobre profundidades sem energia para mergulhar, ficando só ali, na beira, por achar que não vale a pena, por achar que já sei o que tem lá no fundo, por achar que, mesmo não sendo o que acho que é, o que tem lá não vale a pena ser visto.
Mas também pensei que não deveria sentir pena de você ou vergonha de mim, pois ali não havia julgamentos ou dedos em riste, e sim a mais incompreensível compreensão mútua. É estranhamente confortável pensar que, mesmo falando sinceramente sobre assuntos próximos, falei quase nada de mim, mas você entendeu tudo e enxergou aquilo que eu queria estar dizendo, mas não disse com palavras, disse com silêncio.
E não preciso me justificar por estar escrevendo o óbvio. Obrigada.