Não costumo tentar entender como consigo errar tanto e por tanto tempo, mas dessa vez não ia bastar jogar o passado no abismo, era preciso me inclinar e ver se estava tudo bem morto. Explico.
O gesto aparentemente simples de abaixar-se para pegar algo que fingiu ter derrubado, deixando a blusa escorregar pelos ombros, deu-me a certeza de que eu teria aquela mulher. É claro que não pensei que levaria tanto tempo, ou que eu queimaria tantos navios numa aposta só. Logo eu, conhecedor de tantas artimanhas, tenho que admitir que com ela peguei o caminho errado.
De início, imaginando que ela fosse gostar de ter em mim um romântico admirador, lancei-me tortuoso na conquista que tinha como base uma fingida expressão de que estava muito interessado em tudo o que ela dizia. Não demorei para perceber esse primeiro engano, e passei a usar a máscara seguinte: fazendo-a pensar que depositava ali muita confiança, contava-lhe pequenas parcelas de segredos sem importância. Mas antes que pudesse colher os resultados, e decerto não os veria, surgiu a grande chance: momento de fragilidade.
Difícil não parecer covarde em valer-me dessa óbvia possibilidade, mas diante do prêmio isso deixava de ter qualquer relevância. E quando enfim começamos a perder juntos a noção da hora, não gostei de perceber olhos abertos velando meu sono calmo. É que talvez pela primeira vez eu estava diante de alguém que jogava com a segurança que só um royal straight flush nas mãos pode dar. E se blefava, seria ainda mais encantador imaginar que o fizesse tão bem.
Eu só teria mais alguns artifícios, e me perguntava se deveria usá-los para conseguir desvendar o mistério, ou se deveria permanecer intrigado aproveitando tantas boas sensações. Queria eu ter a placidez daqueles que optam pela segunda opção, mas logo me vi fazendo-a acreditar que entreguei meus olhos para ela tomar conta.
E quando ela enfim acreditou em tudo e cerrou as pálpebras para dormir me deixando ver suas cartas baixas, a luz do dia clareou meus pensamentos com a certeza de que era hora de partir dali. Não sei exatamente como eu faria para ela me mandar embora, mas isso provavelmente aconteceria quando ela percebesse que fiz todas aquelas promessas que nunca poderia cumprir.
E se me perguntassem por que destruí uma das poucas coisas que consegui viver, eu só saberia dar uma resposta tão evidente quanto decepcionante: medo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário