quarta-feira, março 08, 2017

Just a Dream

Este texto de hoje veio para continuar o último texto postado. Não sei se existirão outros para complementar este, mas surgirão na medida que os dedos pedirem, é a única coisa que sei.

Because "Life is Just a Dream".

Último pedido: Ouçam a trilha. Definição: Perfeita!
The Way I Feel - Asa


O vento assobiava um lamuriado triste pelas frestas das janelas, como se fosse a voz da solidão dela. Seu vestido parecia dançar com vida própria ao cobrir aquele corpo esquálido. Já não era nem sequer a sombra da mulher que florescia menos de três meses antes. Teve como dieta a espera. Mastigou incessantemente apenas uma saudade amarga, como se fossem folhas de coca, como se faz antes de subir um grande penhasco. Mas  ao contrário do que se espera ao superar desafios, como os de uma escalada, no topo, encontrava o mais absoluto nada!
Contrariando suas reais vontades, sua inata insistência era nutrida por um senso de sobrevivência primitivo. Seus músculos tinham até decorado algumas respostas automáticas diárias. Um sorriso na esquina, um bom dia inaudível ao porteiro, os apertos de mãos no trabalho. Tudo sinistramente ordeiro para alguém que guarda o caos nos pensamentos.
A noite, antes ansiada com se fosse o prato principal de um guloso, agora se tornava o ofício obrigatório de uma tortura biológica: sabe que novamente terá de deitar-se e fechar os olhos para encontrar só o espaço vazio de sonhos comuns. Se houvesse vasos para serem atirados nas paredes e no chão dos sonhos, ela o faria para dissipar a milésima parte da ausência que lhe habita desde o dia em que ele não mais abriu a porta, depois que ela cerrava as pálpebras... Não cansava de soletrar a palavra injustiça como se fossem as coordenadas de um mapa obscuro. 
Infelizmente, não havia mapas, nem nomes, nem endereços que apontassem a direção. Não havia portas, nem saídas ou quiçá um caminho de tijolos amarelos para seguir. A presença era uma lembrança inexata e insana. Apenas isso! Na verdade tudo isso! 
Até parece injusto creditar-lhe as sensações mais intensas que já viveu, como algo perdido na fumaça do inconsciente. Por mais que tente atualmente se convencer de que "foi apenas um sonho", ainda sente a pele arrepiar quando escuta vividamente a voz dele sussurrada em seu ouvido, e censura-se, ruborizada, quando surpreendida pelo Prazer, esgueirando-se fugitivo de suas memórias...
Apaga o abajur e olha triste para gaveta da cômoda. Preferiria, talvez, que ele fosse renegado ao lugar destinado aos outros que já permearam sua vida: colecionando-o como fotografia desbotada dentro de uma caixa florida de papel.  
Deixa-se finalmente cair sobre a cama, atada ao fio de esperança de ainda encontrá-lo naquela mesma sala. Consegue até sentir a sensação do tecido áspero daquele sofá, sempre nebulosamente perdido no ambiente dos sonhos, mas não reencontrar as sensações de tê-lo a um passo de si.
O vento aquieta suas lamúrias uivantes como se respeitasse o silêncio que a dor impunha no último segundo antes que ela embarcasse em um sono vazio e se desfizessem os últimos vestígios dele.

***   ***   ***   ***
Fechou a última pasta com exagerado estardalhaço para autoproclamar a missão concluída. Encarava a rapidez no término diário das atividades quase como uma competição com os ponteiros do relógio sobre a bancada. Desta vez 10 minutos mais cedo que ontem.
Apressou-se em catar seus objetos espalhados pela mesa e sair tilintando as chaves do carro. Pensou até em assobiar uma canção qualquer, mas a que lhe veio em mente pareceu demasiadamente triste para o momento... Quase um uivo queixoso. Tratou de esquecer o assovio e deixou-se tomar pela excitação da partida do motor do carro e seu ronco controlado.  Não precisava de mapas tão pouco de GPS para dobrar nas esquinas certas e guiar suavemente ruas e avenidas. Esperava tranquilo o semáforo abrir enquanto tamborilava os dedos no volante imaginando um determinado vestido, quem sabe ela o vestisse hoje.
Não sabe bem o motivo, mas o decote aberto em suas costas fazia certamente que ela brilhasse. Foi exatamente ele, este insinuante rasgo em forma de “V” que o agarrou pelos olhos quando a conheceu no pub da Passeig de Gràcia, ligeiramente debruçada sobre o balcão, distraidamente olhando garrafas de um vinho ano 64. Entrou no lugar arrastado por aquele decote invertido. Mergulhou em uma conversa menor pela simples (in) conveniência social que não lhe permitiria colocar as mãos por dentro do vestido de uma mulher que acabou de conhecer. E orgulhosamente se pensa sortudo por haver conquistado a mulher, de a haver levado para sua cama e aberto lentamente o vestido vermelho com decote profundo nas costas, como se saboreando aquele mesmo vinho exótico que ela observava quando a viu.
Ao parar o carro foi dominado pelo pensamento intruso da dúvida. Questionou se não deveria religar o motor e partir, trancafiar-se em seu quarto e apenas dar uma desculpa qualquer por não a encontrar essa noite. Racionalmente afugenta esse pensamento quase que as vassouradas. Reprograma sua animação e abre a porta com as chaves recém-presenteadas.
Infelizmente ela não está vestida com aquele vestido. Tão pouco usa meias marcando-a nas coxas. Mas convence-se que pouco importa, pois recebe o beijo mais terno que jamais poderia pedir.
Ela arruma a mesa com um jantar que preparou especialmente para ele. Três meses de relacionamento. Três meses nos quais ele finalmente alegrava-se em viver seus dias sem ser atormentado por suas noites. Dormir ao seu lado era um bálsamo. Muito mais potente do que os remédios que chegou a testar para reconquistar o ânimo de ver o fim de cada dia.
Mas existia algo de indecifrável. Talvez seus modos, ou quem sabe fossem seus movimentos... Mas algo era quebrado por definição. Incompleto. Ele simplesmente não saberia identificar em qual ponto exato. Não que não fosse graciosa... Ao contrário! Poderia elencar sutilezas que faria qualquer homem render-se aos pés dela, e muitos já o haviam feito, mas algo não estava certo. Como se fosse um relógio que sempre atrasasse seus ponteiros. Talvez fosse exigente demais. Deve ser isso. Apenas isso.
Ela derrama-se em carícias, enquanto ele apenas dedica-lhe algumas contidas retribuições, talvez por ver-se mentalmente perdido ainda a procurar o lugar exato onde os ponteiros dela entram em descompasso.  Não ouvia nenhuma música quando tocava sua pele, apenas tinha um irremediável desejo de lhe morder os lábios e provar se o gosto dela também era doce, mas nunca o fez.
Não costumava admitir que buscava o sonho na realidade. Nem que a falha da perfeição era justamente a ausência da nebulosa silhueta da mulher que sequer conhece. Tão pouco reconhecia que ainda dormia ansioso, e que seu último pensamento antes de fechar os olhos era ela.

Imagem:  Woman with a glass of wone - Elena Ilku
Link:http://www.whiterockgallery.com/ilku-glassofwine.htm
Ao som de Asa - The way I feel
Link: https://www.youtube.com/watch?v=aHJMa0y3W4k


terça-feira, julho 26, 2016

Passos

Notas: Esse texto é daqueles da modalidade "what *@#%#!%*", pois apareceu inteirinho às 4:00 da manhã de uma terça-feira comum. Não custa adicionar a informação que não é biográfico, e que bem que eu queria que fosse mais suave, mas não era... Então "sorry"... Vai sair assim mesmo.


Na verdade a história era bem maior, mas temos de convir que foi o que deu para fazer de melhor na adaptação para texto curto às quatro da matina escrevendo no monitor do bloco de notas do celular! rssss (Saudades do tempo que eu rabiscava em folhas de papel com letra ilegível e jogava debaixo do travesseiro ou da cama e só ia encontrar no dia seguinte! Maldita tecnologia! rsss)


Tem outra coisa. Favor escutar ao som de Mil Pasos de Soha. Simples assim. E cumpre ainda esclarecer que a trilha veio depois de escrito mas nunca vi tão perfeita! Então adaptei algumas coisas no texto para casar legal. Então a trilha virou indissociável.


Imagem:http://www.deviantart.com/art/E-Lovers-7376197

Trilha: https://www.youtube.com/watch?v=dm_TzKprOls



Passos...

Acordou no meio da noite suado... Em um sobressalto incomum ao sono pesado da sua diária exaustão habitual. Ainda estava em sua mesa, sentado na sua enorme cadeira de trabalho. O nó da gravata parcialmente desfeito. A tela do computador ainda ligada indicando que havia se deixado adormecer com as tarefas inconclusas que nem sequer lembrava exatamente quais eram tamanho o torpor do sono que lhe abateu. Olhou ainda atordoado ao redor e se viu, felizmente, sozinho em sua sala, com seu sexo ainda pulsando, coração aos pulos e o cheiro dela dentro das narinas sem que ele conseguisse explicar a si mesmo como poderia estar impregnado dela sem que ela estivesse ali.

Esfregou os olhos e segurou forte a cabeça entre as mãos tentando se sentir real. Queria devolver a si mesmo um tanto de sanidade. Coisa que tinha de convir que lhe faltava já há alguns dias, para ser mais preciso, desde que havia sido invadido por “ela” sonho à dentro. Não havia uma só noite que ela não o assaltasse e que ele fosse maltratado pela constância e pela inconstância de viver o irreal. Ou seria real de alguma maneira? Não queria admitir para si que pensava nessa hipótese. Seria insanidade demais para ser ignorada por sua racionalidade. Mas fato é que repentina e sorrateira entrava na sua cabeça de forma tão palpável que conseguia sentir a maciez de suas carnes entre seus dedos mesmo depois de acordar. Mal conseguia piscar depois de despertar sem que o gosto dela não lhe voltasse à boca e isso lhe exasperava. “Como?!”

Tentava em vão se convencer que se tratava apenas de sonhos fantasiosos fortalecidos pelo forçoso celibato temporário imposto pelos afazeres profissionais. E na busca lógica e coerente de um motivo, ainda se questionava em o porquê, sua mente, obviamente queixosa de atividade real, havia escolhido exatamente “ela” para esse jogo inconsciente que lhe supria os desejos, mesmo que mentais. “Por que ela?!”

Afrouxou um pouco mais do nó da gravata e se deixou cair absorto em deduções vãs sobre os motivos ocultos disso e daquilo de forma controlada e conformada, enquanto o coração voltava a bater no compasso normal, e o volume entre suas calças sossegava queixosamente aos poucos.
As olheiras eram fartas sobre os olhos. Vivia essa tortura noturna diária há quase um mês. Perdeu peso. Era bem aparente. Culpava o excesso de trabalho por essa loucura. Na maioria das noites relutava em dormir. Inventava tarefas a mais para não adormecer. Temia pela sensação enlouquecedora de desejar um sonho. De passar o dia inteiro revivendo os detalhes vívidos de alguém que sequer existia. De surpreender a si mesmo elaborando os beijos que daria mais tarde quando... Dormisse!

Tinha certeza que iria acabar por enlouquecer ou se render a alguma prescrição de opióides pesados. Era o que pensava enquanto arrastava-se até a cama chutando sapatos e abandonando o terno no chão antes de se deixar abater pelo sono novamente, temendo e ao mesmo tempo desejando que ela novamente o visitasse. Adormeceu de dedos crispados no lençol como se quisesse arrancá-la de sua mente e trazê-la para sua cama,  segurando forte para nunca mais a deixar partir desse mundo real.


***     ***      ***


Estava tão frio lá fora que seus lábios tremiam azulados quando terminou de vestir aquele vestido vermelho, com meias de renda que lhe marcavam as coxas. O vento gelado lambia o corte profundo do seu vestido nas costas lhe causando um arrepiar dolorido. Mas não se importava. Havia remontado cada detalhe necessário para sua noite. Meteu-se ligeira embaixo do seu grosso edredom, sem esquecer-se de deixar a janela ligeiramente aberta para que o barulho da chuva lhe embalasse rumo ao sonhos. Aqueles sonhos. Os seus. E tinha certeza que em algum lugar no mundo eram os dele. Nutria não só sensações, mas acumulava cada noite a certeza absurda dessa existência em dois planos distintos.

Havia cultivado o recente hábito de abraçar um travesseiro para dormir se deixando escorregar em um aconchego confortável criado pelo seu enorme cobertor. Tudo na ordem exata em que estava na primeira noite na qual ele veio povoar sua cabeça.

  Estava realmente exausta, mas absurdamente ansiosa. Geralmente acordava muito mais cansada do que quando ia dormir, mas era certamente a melhor sensação que experimentava já há mais de um mês. O resto das horas eram apenas um amontoado de minutos redundantes, tarefas sem importância em branco e preto.

Já era certo que encontraria exatamente o que desejava se seguisse todo o padrão daquela preparação diária antes de dormir. Vestido, meias, janela entreaberta. Revisitava cada detalhe no quarto e quando satisfeita da exatidão fechava os olhos.  Suas mãos apertaram ainda mais o travesseiro quando se sentiu escorregar dentro do torpor e adormeceu sorrindo.

Logo ele veio. Abriu a porta calmamente e lhe olhou dentro dos olhos. Sem lhe dirigir uma única palavra deus três passos lentos até seu encontro. Seus cabelos estavam em total desordem. O nó da gravata parcialmente defeito. O som oco dos seus passos marcou o compasso da respiração dela. Não conseguia tirar seus olhos dos dele, muito menos fugir dos lábios que tanto deseja. Quando finalmente parou em sua frente, tremeu inteira, lhe fugindo as forças das pernas quando se deixou envolver por seus braços. Ele parecia impaciente desta vez quando lhe puxou grosseiramente para junto do corpo dele, consumido por um desejo que era comum igualmente a ela. Via as linhas de tristeza marcadas em seu rosto, mas mesmo assim, deixou que ele explorasse sua boca pela língua doce dele, pois esse era o sinal. O símbolo da conexão nesse encontro, quando ambos sentiam a realidade dentro do sonho. Mas foi só quando ele deslizou a mão por entre a suas pernas que deixou escapar um gemido abafado. Ela precisava cuidar dele, sabia disso. Empurrou-o até o sofá que estava do lado direito naquele ambiente vazio e nebuloso. Ele apenas aceitou seus comandos, rendido de excitação e obediente ao desejo. Levantou o vestido sentando-se sobre suas pernas, frente a frente com os olhos mais profundos que já viu. Beijava seu pescoço e suas orelhas, mordiscando lentamente, torturando-o de desejo, sentia fisicamente seu respirar no seu pescoço e isso lhe dispersava o pensamento, já que sabia, conscientemente, que estava sonhando.

Seu corpo e o dele já conheciam os caminhos certos um do outro, mesmo que apenas nesse terreno inconcreto dos sonhos. Enquanto ela se dedicava a beijá-lo inteiro, como se tentasse curar as feridas de ter de partir rumo ao real assim que aquele momento  surreal acabasse, ele se consumia na vã tentativa de controlar seu desejo, o que obviamente, noite após noite ele fracassava. Seu sexo ereto e quase incontido roçava pela calça eriçando-a cada vez mais. Caminho sem volta da sensatez. Ele a tocava de uma maneira particular. Só dele. Ela imaginava-se como a um violão em seu colo, sendo dedilhada em uma melodia que apenas eles dois poderiam tocar. E essa ilusão a fazia inclinar-se e moldar-se ao corpo dele como tal.

Essa música em particular ele sabia tocar. Perdido nas notas do corpo dela apertava-lhe o quadril e lhe machucava a boca de avidez, de cansaço e consumição. “Como querer o invisível?”

Deixou que ela abrisse o cinto e o zíper e lhe guiasse. Ainda ensaiou um ‘não’ que nem sequer saiu de sua boca. Ofegava vários ‘sim’. Transpirava vários ‘sim’. Mas foi quando ela lhe agarrou por dentro da calça que ele desistiu de se conter.  Sussurrava no ouvido dela repetidamente como se fosse o refrão de sua música: "O que queres de mi?! O que queres de mi, hã?!" E deslizava para dentro dela gemendo baixinho, mordendo-lhe a orelha e seu brinco, lambendo cada centímetro do seu pescoço e ela o dele. Ela nutria especial dedicação à boca de lábios volumosos e vermelhos, sempre macios e úmidos, que a faziam se perder em desejo, os olhando e beijando detidamente enquanto cavalgava de forma ritmada sobre ele. Gostava de vê-lo revirar os olhos de prazer incontido e indefeso, e ele nesse transe insano de sensações termina por lhe desferir uma mordida forte nos lábios e tirar-lhe um pouco de sangue, puxa-lhe os cabelos com os dedos trançados em sua nuca enquanto aumenta o ritmo dos dois. E ela toca a música que ele quer ouvir. Ela ofega no ritmo que ele quer escutar. Até seus pequenos gemidos são o tom perfeito. E ele a desafia com os olhos. Ele sabe que ao gozar o mundo dos sonhos se acabará, e que ela irá se desfazer, retornando ambos ao mundo real, onde ela não o conhece nem sabe onde ele está, e que ele não pode lhe buscar e nem seu nome sabe. Ele sussurra em seu ouvido "no se vaya, cariño mio..." Mas não conseguem mais segurar e adiar o momento que o prazer se sobrepõe ao desejo de continuarem imersos no ambiente desse sonho que lhe permitem estar juntos. E ela se sente invadir pelo gozo dele que lhe faz gozar logo em seguida. Abraça-se ao corpo dele e os dois se deixam tragar pela tristeza da separação e a incerteza de que se encontrarão novamente.


Logo ela acorda. Banhada de suor, com o lábio inferior machucado, e molhada de prazer. Suas mãos instintivamente abraçam mais forte o travesseiro que morde com força para se sentir acordada e ao mesmo tempo para expressar a frustração por ter despertado e estar sem ele. Não sabe quanto tempo mais saberá conviver com a sensação do seu corpo e de sua pele ainda vivas e presentes como se ele tivesse acabado de levantar e sair de sua cama. Mesmo assim sorri pensando que o dia é só um conjunto de horas como degraus que lhe levarão até ele essa noite. Alguns passos. Mil passos que sejam.


quinta-feira, agosto 13, 2015

One Night


Recentemente fui desafiada a escrever algo diferente... "Sem limites". Tomei o desafio pela mão e me debrucei sobre esse texto. Não vou dizer que foi fácil, pois realmente não foi! Mas de certo foi interessante ultrapassar as barreiras do usual. Tentei formatar uma personagem anuviada de pensamentos, mas ao mesmo tempo despida de limites. Optei pelo feminino, mas acho que da próxima vou me aventurar na primeira pessoa no masculino. E nota válida aos leitores fortuitos: Não é um texto pessoal! Simples assim!


                     As chaves ficaram penduradas na porta sem completar a volta na fechadura. Desmazelo compatível com a sua urgência em arrancar minha blusa enquanto lambe meu ombro. Vejo e deixo estar assim, nessa meia volta em si mesmo, completando em torno dele o giro que não fez a chave.

As luzes ainda estão apagadas, nos permitindo uma cegueira premeditada. Minhas pernas ainda guardam as marcas dos esbarrões com a mesinha do canto, e relembrando o mapa do nosso quarto, defendo-me instintivamente, driblando a cadeira ao mesmo tempo em que fujo de suas mãos ávidas no meio das minhas coxas, só para vê-lo suplicar ajoelhado. 

O vaso com as flores de ontem ainda balança recuperando-se do desalinho das minhas roupas jogadas sobre ele, e a ameaça suicida das minhas margaridas na borda da cabeceira prende-me a respiração um segundo a mais, apenas até sentir a sua língua insolente explorando meus seios, desfazendo a minha minguada convicção em lhe resistir um pouco mais.

Com os dedos leves leio o mapa do corpo dele, desenhando as linhas de seu peito para senti-lo arrepiar, sussurrar que me quer mais do que tudo, de olhos revirados, suado e pulsante, até a sua pouca paciência o arrebatar. E se me deixo cair esmaecendo em suas mãos é pela certeza prazerosa de que me buscará onde quer que eu esteja, dentro de meu torpor ou da minha avidez, e abrirá meu corpo e minha alma nesse universo paralelo.

Os desenhos dos seus dedos nos meus quadris ficam impressos como se por desejo inconsciente de me marcar como sua.  Segura meus cabelos na nuca e sussurra absurdos para me ver desatar os nós da minha sanidade. E os desato um a um quando seguro forte seu sexo, provando não só de suas palavras, mas seu doce pulsar em minha boca.

Nossos lençóis sempre cúmplices das incoerências do desejo e do desassossego de seu olhar, até parecem que nos absolvem de todos os delitos. 

Que a Gentileza me perdoe por arranhar suas costas enquanto sorri anestesiado pelo desejo, que a Delicadeza não me condene por morder seus lábios até escutá-lo gemer, e que a Civilidade não me desaprove por lhe permitir me devorar por inteira, porque delas me despiria tão facilmente quanto o fiz dos sapatos que estavam em meus pés. 

 Como se fossem uma porta para seus pensamentos, dentro dos seus olhos vejo somente a mim mesma, e essa imagem me olha de volta sem que eu consiga realmente me reconhecer. A um centímetro da tua boca, só quero que você respire o mesmo ar que acabo de extrair do meu peito, para sentir em você o ritmo da vida de um instante e escutar o bater do seu coração como se fosse música para ser a sua dançarina, pois bailo de cabelos revoltos essa dança das suas fantasias, permitindo que penetre com força meu corpo.

Segura forte meu rosto para que não fuja sorrateira em meus próprios mistérios enquanto desliza suave pelos caminhos clandestinos do meu prazer, me alimentando com seu deslumbramento cheio de gemidos e silêncios.

Cumprindo as ameaças, o vaso com as margaridas finalmente cai no chão com estardalhaço no mesmo segundo no qual a chave termina por si só seu giro na fechadura com um estalido determinado, e nossos corpos imersos, rendidos e redimidos se desabotoam em um último movimento, exauridos de todo o absurdo do amor. 


Imagem: https://www.etsy.com/pt/listing/201601400/vkus-noi?ref=shop_home_active_1
Ao som de: https://www.youtube.com/watch?v=DmDJcyQIy0s  (Jorge Drexler - Deseo )

quinta-feira, julho 16, 2015

My Invention of Love

I swelled you like a little pill,

And turned you into a giant.

I know you didn’t ask me to,

So rip me off from the inside out,

´Cause you can’t stay

And set fire on my every single thought

That’s why I say…

You can’t stay…

And I might find a way

To take you out!

But if you close your eyes, who am I to you?

Am I your sins or your best dreams?

Could you just be the one who holds me?

Can it be that simple?


Ao som de: https://www.youtube.com/watch?v=49-wNRvJwjk
Imagem: http://www.deviantart.com/art/Broken-77224829 (Pintura feita com um lápis quebrado...)

terça-feira, abril 08, 2014

Drip... Drip... Drip...



    Tento pensar por onde começar para refazer o mesmo caminho, e não sei onde por os pés. É como andar olhando por um retrovisor e depois engatar a marcha ré. Sinto que cada vestígio se esvai sem que eu possa reter. E tento voltar, catar cada migalha de você que ainda tenho em mim para ficar em paz com o que não foi.

 
Não creio em lembranças nem em suspiros. Assim como nunca acreditei em viver esse tempo atrasado e demorado, que se afoga premeditadamente em ponteiros arrastados, viciados em ouvir tua voz.

E passo os minutos olhando o teto e aquela goteira velha que pinga no balde azul que tento tão esmeradamente posicionar no chão, mirando suas recordações infiltradas, aquelas as quais nego e que se repetem ritmadamente.

Sei que não seria eu que deveria falar de amor, muito menos de destino, se tirei das mãos do acaso o caso de nós dois quanto te disse e quando calei. Não deveria acreditar  em senões nem em promessas de copo de vinho.

Estou atado na minha teimosia,  preso na insistência do fracasso de um quase amor só por não saber ser só, só por não saber ser eu sem você. Só sei dizer que vai chover e que aquela goteira ainda vai continuar a pingar. Sei dizer onde estão teus sapatos e as chaves do carro, mas não onde escondeu essa felicidade toda que agora me assalta e me assombra.

Já quis pintar as paredes da sala, e quis dizer adeus. Mas lembro do teu dia azul e do teu cheiro amargo e só consigo voltar. Só posso rodar e rodar e parar no mesmo ponto onde pedi para não ir, e pedi para não dizer. E depois para você vir. Mas aporta não se abriu, e só aquele vento sul entrou pela janela, sacodiu a toalha da mesa  e se foi, carregando uma gota para fora do balde e um pensamento cheio de você para fora da minha boca.


quarta-feira, outubro 30, 2013

Coisas Miúdas




Sei... Realmente faz bastante tempo.
Mas tempo necessário. Estava cuidando do essencial! Vida!

Esse texto estava dormindo na gaveta, junto com um monte de coisas miúdas que não sabia onde colocar...

Não sei mais o que fazer com estas tuas coisas miúdas enchendo meus bolsos.
Brincos, batom, palavras rasgadas, amor pesado, paixão leve e conta de luz.
Tiro e reviro. Puxo e logo em seguida mais me aparece...
Chave "de-não-sei-qual-porta", promessas macias, teu perfume e cartão de visitas.
Obstinado continuo inventariando miudezas...
Papéis amarrotados, beijo terno e tampa da caneta.
Bolsos cheios, dúvidas multiplicadas e continuo sem saber...
Fotografia borrada, pétala de flor e bom dia.
O que faço das tuas coisas miúdas? O que faço deste meu desejo de me afogar nas promessas dos teus olhos pequenos. Quanto mais tento entender esse lógica mais perdido fico em “senão” e justificativas torcidas só para lhe agradar. Preso neste lado de dentro dos teus pensamentos, dos teus abraços infinitos, ainda assim não sei o que faço das tuas coisas miúdas.
Não sei se guardo ou se me enrosco nas fitas que usa nos cabelos, pelo simples fato de adorar deslizar o dedo indicador por sua nuca acompanhando a linha desenhada pelos finos pelinhos que lhe descem pelas costas...
Fico neste roer de unhas  esperando que me caia no colo como dádiva a resposta do que fazer destas tuas palavras absurdas que me fazem consumir em desejo. Dedico músicas e sorrisos nas poucas horas lúcidas e ponho-me de pé e distante na loucura. Quero mais é ficar de mãos cheias de teus versos melancólicos e das rendas das tuas saias!
E se ainda tenho fé em algo, rogo: “Valei-me Senhor dos desesperados! Porque não sei mais o que fazer destas coisas miúdas e desta paixão imensa!"
Eu quero abrir a porta certa, sussurrar todas as promessas que quiser ouvir. 
Quero é que me dedique todas as palavras rasgadas,  e que me cubra com beijos de batom.
Quero que seja meu o amor pesado e a minha paixão leve. Quero mais é desenhar seu corpo, despir-lhe de brincos e de "bom dia".
Eu quero é estar na fotografia junto com seu sorriso. Quero me impregnar do seu perfume e deixar de ser eu parte das tuas coisas miúdas.

sexta-feira, janeiro 18, 2013

O Palco

O texto rondava fazia um tempinho, mas agora ai está! 
Creio que vai demorar um tantinho para uma próxima postagem por dois lindos motivos superiores que estão para chegar, mas hora ou outra estarei por aqui novamente...





De alguns fatos não há como se esconder, por mais vergonhosos que sejam. Eu sempre quis saber cantar. Sem muitas justificativas, ou longos discursos sobre expressão artística ou da alma. O máximo que consegui foi a conveniência de uma mudez infame.



Para aumentar a humilhação, com o tempo, adquiri técnicas para ocultar-me no acanhamento e apropriava-me da voz alheia aprisionando-a na minha boca vazia enquanto a melodia ajudava o embuste mudo do meu canto inexistente. Dublagem de voz e sentimentos. Nada mais apropriado!



Acho que por isso odeio tanto você, despindo-me da minha farsa perfeita, me fez imaginar palcos, e até imaginei cantar no seu ouvido enquanto você ouvia e sorria. Imaginei que gostaria de ver-me envolta em compassos, que amaria tudo o que escorreria dos meus refrãos, não como verdades ou juras, mas como a imagem das possibilidades que nunca realizaríamos. Como eu o odeio!



Não sei se para me afrontar, você sim cantava e eu gostava de ouvir. E eu ficava intrigada tentando encontrar explicação para perfeição. Os sons não saiam apenas dos lábios, mas também daqueles olhos disfarçados de boca que confessavam, mas nunca me diziam. Você cantava e eu emudecia.  Como parte da crueldade, amava vê-lo cantar, me tornando a mais miserável das criaturas.



E eu, apenas me afogava em palavras que nunca ganhariam pernas enquanto ele todo prazeres! Boca, peito, palavras e juras! Gostaria de escrever as rimas de uma paixão certa e concreta, cheias de detalhes e toques, cheios desse você que tanto detesto!



E muda deveria ter me mantido. Mas ao invés de me recolher no canto escuro da minha raiva de vê-lo desenhando em acordes, agarro-me ao microfone na certeza de que terei a voz e cantarei. 



Mesmo assim, só me resta o silêncio!

---x---x---x

Já não se escrevem mais cartas como antes. Tão pouco canções que brotem da caneta imaginária de um poeta sofrido.  Mas ela guarda letras embaixo do colchão. Esconde cartas amarrotadas que nunca serão enviadas. Criatura de outro tempo esta! Não pertence ao passado e assombra o presente. E se assim pode ser dito, só se constrói inteira em um futuro que imagina em diversos finais, montados e remontados, se deliciando com as possibilidades.



O calor dos holofotes faziam suar a testa. Minúsculas gotículas brotando pela pele. Disfarçadamente limpava o suor com as costas da mão direita enquanto sorria angustiada, procurando a primeira saída, a fuga perfeita. Mas encurralada que estava em seu próprio orgulho, balançava-se sobre os próprios pés, dentro de seus saltos vermelhos de camurça. 



Vestia-se de sua personagem indefectível de si mesma e agarrava o microfone, se deixando penetrar pela dor de um sentimento anunciado pelo primeiro acorde que ressoava. Quem assistia este segundo entre aqueles olhos fechados e a primeira nota, prendia a respiração em suspense exultante, em espera atenta, quase em um estado de paixão. 



E só assim, devorado, as mãos inquietas, torcendo os dedos em infindável anseio pelo segundo seguinte, tirano e consumista insaciável,  porque o presente nunca basta em si. Odiava a ousadia desafiadora, entregue a própria voz.



Embalada em notas e sonhos de outro tempo, cobre-me com poesia e desejos. Fecha os olhos enquanto canta, mas se sente incapaz de o fazer enquanto beija. Engulo o ódio que me dedica, e o amor que me recusa, junto com as palavras e notas.