terça-feira, julho 26, 2016

Passos

Notas: Esse texto é daqueles da modalidade "what *@#%#!%*", pois apareceu inteirinho às 4:00 da manhã de uma terça-feira comum. Não custa adicionar a informação que não é biográfico, e que bem que eu queria que fosse mais suave, mas não era... Então "sorry"... Vai sair assim mesmo.


Na verdade a história era bem maior, mas temos de convir que foi o que deu para fazer de melhor na adaptação para texto curto às quatro da matina escrevendo no monitor do bloco de notas do celular! rssss (Saudades do tempo que eu rabiscava em folhas de papel com letra ilegível e jogava debaixo do travesseiro ou da cama e só ia encontrar no dia seguinte! Maldita tecnologia! rsss)


Tem outra coisa. Favor escutar ao som de Mil Pasos de Soha. Simples assim. E cumpre ainda esclarecer que a trilha veio depois de escrito mas nunca vi tão perfeita! Então adaptei algumas coisas no texto para casar legal. Então a trilha virou indissociável.


Imagem:http://www.deviantart.com/art/E-Lovers-7376197

Trilha: https://www.youtube.com/watch?v=dm_TzKprOls



Passos...

Acordou no meio da noite suado... Em um sobressalto incomum ao sono pesado da sua diária exaustão habitual. Ainda estava em sua mesa, sentado na sua enorme cadeira de trabalho. O nó da gravata parcialmente desfeito. A tela do computador ainda ligada indicando que havia se deixado adormecer com as tarefas inconclusas que nem sequer lembrava exatamente quais eram tamanho o torpor do sono que lhe abateu. Olhou ainda atordoado ao redor e se viu, felizmente, sozinho em sua sala, com seu sexo ainda pulsando, coração aos pulos e o cheiro dela dentro das narinas sem que ele conseguisse explicar a si mesmo como poderia estar impregnado dela sem que ela estivesse ali.

Esfregou os olhos e segurou forte a cabeça entre as mãos tentando se sentir real. Queria devolver a si mesmo um tanto de sanidade. Coisa que tinha de convir que lhe faltava já há alguns dias, para ser mais preciso, desde que havia sido invadido por “ela” sonho à dentro. Não havia uma só noite que ela não o assaltasse e que ele fosse maltratado pela constância e pela inconstância de viver o irreal. Ou seria real de alguma maneira? Não queria admitir para si que pensava nessa hipótese. Seria insanidade demais para ser ignorada por sua racionalidade. Mas fato é que repentina e sorrateira entrava na sua cabeça de forma tão palpável que conseguia sentir a maciez de suas carnes entre seus dedos mesmo depois de acordar. Mal conseguia piscar depois de despertar sem que o gosto dela não lhe voltasse à boca e isso lhe exasperava. “Como?!”

Tentava em vão se convencer que se tratava apenas de sonhos fantasiosos fortalecidos pelo forçoso celibato temporário imposto pelos afazeres profissionais. E na busca lógica e coerente de um motivo, ainda se questionava em o porquê, sua mente, obviamente queixosa de atividade real, havia escolhido exatamente “ela” para esse jogo inconsciente que lhe supria os desejos, mesmo que mentais. “Por que ela?!”

Afrouxou um pouco mais do nó da gravata e se deixou cair absorto em deduções vãs sobre os motivos ocultos disso e daquilo de forma controlada e conformada, enquanto o coração voltava a bater no compasso normal, e o volume entre suas calças sossegava queixosamente aos poucos.
As olheiras eram fartas sobre os olhos. Vivia essa tortura noturna diária há quase um mês. Perdeu peso. Era bem aparente. Culpava o excesso de trabalho por essa loucura. Na maioria das noites relutava em dormir. Inventava tarefas a mais para não adormecer. Temia pela sensação enlouquecedora de desejar um sonho. De passar o dia inteiro revivendo os detalhes vívidos de alguém que sequer existia. De surpreender a si mesmo elaborando os beijos que daria mais tarde quando... Dormisse!

Tinha certeza que iria acabar por enlouquecer ou se render a alguma prescrição de opióides pesados. Era o que pensava enquanto arrastava-se até a cama chutando sapatos e abandonando o terno no chão antes de se deixar abater pelo sono novamente, temendo e ao mesmo tempo desejando que ela novamente o visitasse. Adormeceu de dedos crispados no lençol como se quisesse arrancá-la de sua mente e trazê-la para sua cama,  segurando forte para nunca mais a deixar partir desse mundo real.


***     ***      ***


Estava tão frio lá fora que seus lábios tremiam azulados quando terminou de vestir aquele vestido vermelho, com meias de renda que lhe marcavam as coxas. O vento gelado lambia o corte profundo do seu vestido nas costas lhe causando um arrepiar dolorido. Mas não se importava. Havia remontado cada detalhe necessário para sua noite. Meteu-se ligeira embaixo do seu grosso edredom, sem esquecer-se de deixar a janela ligeiramente aberta para que o barulho da chuva lhe embalasse rumo ao sonhos. Aqueles sonhos. Os seus. E tinha certeza que em algum lugar no mundo eram os dele. Nutria não só sensações, mas acumulava cada noite a certeza absurda dessa existência em dois planos distintos.

Havia cultivado o recente hábito de abraçar um travesseiro para dormir se deixando escorregar em um aconchego confortável criado pelo seu enorme cobertor. Tudo na ordem exata em que estava na primeira noite na qual ele veio povoar sua cabeça.

  Estava realmente exausta, mas absurdamente ansiosa. Geralmente acordava muito mais cansada do que quando ia dormir, mas era certamente a melhor sensação que experimentava já há mais de um mês. O resto das horas eram apenas um amontoado de minutos redundantes, tarefas sem importância em branco e preto.

Já era certo que encontraria exatamente o que desejava se seguisse todo o padrão daquela preparação diária antes de dormir. Vestido, meias, janela entreaberta. Revisitava cada detalhe no quarto e quando satisfeita da exatidão fechava os olhos.  Suas mãos apertaram ainda mais o travesseiro quando se sentiu escorregar dentro do torpor e adormeceu sorrindo.

Logo ele veio. Abriu a porta calmamente e lhe olhou dentro dos olhos. Sem lhe dirigir uma única palavra deus três passos lentos até seu encontro. Seus cabelos estavam em total desordem. O nó da gravata parcialmente defeito. O som oco dos seus passos marcou o compasso da respiração dela. Não conseguia tirar seus olhos dos dele, muito menos fugir dos lábios que tanto deseja. Quando finalmente parou em sua frente, tremeu inteira, lhe fugindo as forças das pernas quando se deixou envolver por seus braços. Ele parecia impaciente desta vez quando lhe puxou grosseiramente para junto do corpo dele, consumido por um desejo que era comum igualmente a ela. Via as linhas de tristeza marcadas em seu rosto, mas mesmo assim, deixou que ele explorasse sua boca pela língua doce dele, pois esse era o sinal. O símbolo da conexão nesse encontro, quando ambos sentiam a realidade dentro do sonho. Mas foi só quando ele deslizou a mão por entre a suas pernas que deixou escapar um gemido abafado. Ela precisava cuidar dele, sabia disso. Empurrou-o até o sofá que estava do lado direito naquele ambiente vazio e nebuloso. Ele apenas aceitou seus comandos, rendido de excitação e obediente ao desejo. Levantou o vestido sentando-se sobre suas pernas, frente a frente com os olhos mais profundos que já viu. Beijava seu pescoço e suas orelhas, mordiscando lentamente, torturando-o de desejo, sentia fisicamente seu respirar no seu pescoço e isso lhe dispersava o pensamento, já que sabia, conscientemente, que estava sonhando.

Seu corpo e o dele já conheciam os caminhos certos um do outro, mesmo que apenas nesse terreno inconcreto dos sonhos. Enquanto ela se dedicava a beijá-lo inteiro, como se tentasse curar as feridas de ter de partir rumo ao real assim que aquele momento  surreal acabasse, ele se consumia na vã tentativa de controlar seu desejo, o que obviamente, noite após noite ele fracassava. Seu sexo ereto e quase incontido roçava pela calça eriçando-a cada vez mais. Caminho sem volta da sensatez. Ele a tocava de uma maneira particular. Só dele. Ela imaginava-se como a um violão em seu colo, sendo dedilhada em uma melodia que apenas eles dois poderiam tocar. E essa ilusão a fazia inclinar-se e moldar-se ao corpo dele como tal.

Essa música em particular ele sabia tocar. Perdido nas notas do corpo dela apertava-lhe o quadril e lhe machucava a boca de avidez, de cansaço e consumição. “Como querer o invisível?”

Deixou que ela abrisse o cinto e o zíper e lhe guiasse. Ainda ensaiou um ‘não’ que nem sequer saiu de sua boca. Ofegava vários ‘sim’. Transpirava vários ‘sim’. Mas foi quando ela lhe agarrou por dentro da calça que ele desistiu de se conter.  Sussurrava no ouvido dela repetidamente como se fosse o refrão de sua música: "O que queres de mi?! O que queres de mi, hã?!" E deslizava para dentro dela gemendo baixinho, mordendo-lhe a orelha e seu brinco, lambendo cada centímetro do seu pescoço e ela o dele. Ela nutria especial dedicação à boca de lábios volumosos e vermelhos, sempre macios e úmidos, que a faziam se perder em desejo, os olhando e beijando detidamente enquanto cavalgava de forma ritmada sobre ele. Gostava de vê-lo revirar os olhos de prazer incontido e indefeso, e ele nesse transe insano de sensações termina por lhe desferir uma mordida forte nos lábios e tirar-lhe um pouco de sangue, puxa-lhe os cabelos com os dedos trançados em sua nuca enquanto aumenta o ritmo dos dois. E ela toca a música que ele quer ouvir. Ela ofega no ritmo que ele quer escutar. Até seus pequenos gemidos são o tom perfeito. E ele a desafia com os olhos. Ele sabe que ao gozar o mundo dos sonhos se acabará, e que ela irá se desfazer, retornando ambos ao mundo real, onde ela não o conhece nem sabe onde ele está, e que ele não pode lhe buscar e nem seu nome sabe. Ele sussurra em seu ouvido "no se vaya, cariño mio..." Mas não conseguem mais segurar e adiar o momento que o prazer se sobrepõe ao desejo de continuarem imersos no ambiente desse sonho que lhe permitem estar juntos. E ela se sente invadir pelo gozo dele que lhe faz gozar logo em seguida. Abraça-se ao corpo dele e os dois se deixam tragar pela tristeza da separação e a incerteza de que se encontrarão novamente.


Logo ela acorda. Banhada de suor, com o lábio inferior machucado, e molhada de prazer. Suas mãos instintivamente abraçam mais forte o travesseiro que morde com força para se sentir acordada e ao mesmo tempo para expressar a frustração por ter despertado e estar sem ele. Não sabe quanto tempo mais saberá conviver com a sensação do seu corpo e de sua pele ainda vivas e presentes como se ele tivesse acabado de levantar e sair de sua cama. Mesmo assim sorri pensando que o dia é só um conjunto de horas como degraus que lhe levarão até ele essa noite. Alguns passos. Mil passos que sejam.