Recentemente fui desafiada a escrever algo diferente... "Sem limites". Tomei o desafio pela mão e me debrucei sobre esse texto. Não vou dizer que foi fácil, pois realmente não foi! Mas de certo foi interessante ultrapassar as barreiras do usual. Tentei formatar uma personagem anuviada de pensamentos, mas ao mesmo tempo despida de limites. Optei pelo feminino, mas acho que da próxima vou me aventurar na primeira pessoa no masculino. E nota válida aos leitores fortuitos: Não é um texto pessoal! Simples assim!
As chaves ficaram penduradas na porta sem completar a volta na fechadura. Desmazelo compatível com a sua urgência em arrancar minha blusa enquanto lambe meu ombro. Vejo e deixo estar assim, nessa meia volta em si mesmo, completando em torno dele o giro que não fez a chave.
As luzes
ainda estão apagadas, nos permitindo uma cegueira premeditada. Minhas pernas
ainda guardam as marcas dos esbarrões com a mesinha do canto, e relembrando o mapa do nosso quarto, defendo-me instintivamente, driblando a cadeira ao
mesmo tempo em que fujo de suas mãos ávidas no meio das minhas coxas, só para
vê-lo suplicar ajoelhado.
O vaso com
as flores de ontem ainda balança recuperando-se do desalinho das minhas roupas
jogadas sobre ele, e a ameaça suicida das minhas margaridas na borda da cabeceira
prende-me a respiração um segundo a mais, apenas até sentir a sua língua insolente explorando meus seios, desfazendo a minha minguada convicção em lhe resistir um
pouco mais.
Com os
dedos leves leio o mapa do corpo dele, desenhando as linhas de seu peito para
senti-lo arrepiar, sussurrar que me quer mais do que tudo, de olhos revirados,
suado e pulsante, até a sua pouca paciência o arrebatar. E se me deixo cair
esmaecendo em suas mãos é pela certeza prazerosa de que me buscará onde quer
que eu esteja, dentro de meu torpor ou da minha avidez, e abrirá meu corpo e
minha alma nesse universo paralelo.
Os desenhos
dos seus dedos nos meus quadris ficam impressos como se por desejo inconsciente
de me marcar como sua. Segura meus cabelos na nuca e sussurra absurdos
para me ver desatar os nós da minha sanidade. E os desato um a um quando seguro
forte seu sexo, provando não só de suas palavras, mas seu doce pulsar em minha
boca.
Nossos
lençóis sempre cúmplices das incoerências do desejo e do desassossego de seu
olhar, até parecem que nos absolvem de todos os delitos.
Que a
Gentileza me perdoe por arranhar suas costas enquanto sorri anestesiado pelo
desejo, que a Delicadeza não me condene por morder seus lábios até escutá-lo
gemer, e que a Civilidade não me desaprove por lhe permitir me devorar por
inteira, porque delas me despiria tão facilmente quanto o fiz dos sapatos que
estavam em meus pés.
Como
se fossem uma porta para seus pensamentos, dentro dos seus olhos vejo somente a
mim mesma, e essa imagem me olha de volta sem que eu consiga realmente me
reconhecer. A um centímetro da tua boca, só quero que você respire o mesmo ar
que acabo de extrair do meu peito, para sentir em você o ritmo da vida de um
instante e escutar o bater do seu coração como se fosse música para ser a sua
dançarina, pois bailo de cabelos revoltos essa dança das suas fantasias,
permitindo que penetre com força meu corpo.
Segura
forte meu rosto para que não fuja sorrateira em meus próprios mistérios
enquanto desliza suave pelos caminhos clandestinos do meu prazer, me alimentando com seu deslumbramento cheio de gemidos e silêncios.
Cumprindo
as ameaças, o vaso com as margaridas finalmente cai no chão com estardalhaço no
mesmo segundo no qual a chave termina por si só seu giro na fechadura com um
estalido determinado, e nossos corpos imersos, rendidos e redimidos se
desabotoam em um último movimento, exauridos de todo o absurdo do amor.
Imagem: https://www.etsy.com/pt/listing/201601400/vkus-noi?ref=shop_home_active_1
Ao som
de: https://www.youtube.com/watch?v=DmDJcyQIy0s (Jorge Drexler -
Deseo )