Apenas girava o café. Põe um cigarro apagado entre os lábios sem esperar acedê-lo, no desleixo de vê-lo pender inerte, faltando-lhe o fumegante veneno subir-lhe pelas narinas... Contenta-se com o peso, com a angústia. Contenta-se girando o café para o lado esquerdo e vendo, só vendo, o vento brincar com os papéis largados na rua. Uma ciranda do improvável. E ele está nela. Na improvável posição de estar daqui a poucos segundos, do outro lado da rua. E este é novamente o último café, e está é novamente a última vez que se senta naquele lugar, mais uma das últimas vezes em que se imagina de frente aquele prédio, do outro lado da rua, experimentando o sabor real do sentimento tantas vezes provado entre cafés e cigarros.
Olhava pessoas como o mesmo compromisso com o qual mantinha ainda preso o pássaro de asas quebradas na gaiola ao lado da janela. Girando pensamentos em cirandas, em xícaras, na língua imaginária que explora a boca alheia em um beijo apaixonado. O café já estava frio. Mas sentia que iria deixar cair o peso da xícara sobre a mesa, levantar-se, pôr os pés além da muralha da linha da calçada, sentir a fúria da coragem, ultrapassar o meio-fio, ressoar passos no asfalto, ser o centro da ciranda de papéis, esbarrar nas pessoas de asas quebradas, jogar o cigarro ao vento, tocar-lhe os cabelos, sorrir-lhe um sorriso tranqüilo e assim seria o fim.
Abandonou sua xícara na mesa, levantou-se, pôs os pés bem na beira da calçada, sentiu cair sobre si a dúvida, deixou-se esbarrar pelas pessoas aladas, deixou cair seu cigarro morto no chão, foi o centro do turbilhão de papéis e medo, deixou-se carregar novamente para dentro dos limites da muralha, assanhou os próprios cabelos, chorou o choro da derrota e esse foi o fim.